CONTO NATAL 2023
Natal. É sempre um período de grande união familiar, onde todos se esforçam por acertar calendários, horários, turnos, para que, uma vez mais, partilhem uma refeição em uníssono. A ceia de Natal era um marco incontornável, sejamos crentes ou não. O frio, que nos leva a atear uma fogueira que torna a sala acolhedora de uma forma única, as luzes de Natal, que encantam os passeios pelas ruas, os cheiros, ah, os cheiros. Bolo-rei, fatias douradas, sonhos, azevias, arroz-doce… a lista era infindável.
O Natal era sinónimo de amor. De conforto. De família. Para Nádia, esse significado do Natal era algo que ela esquecera por completo. Já não associava a época natalícia a felicidade, a sensações boas.
Quando via a iluminação natalícia das ruas, via-se a si mesma, mais nova, de mãos dadas com os pais a saltitar em torno delas, a tirar fotos que lhes arrancavam sorrisos orgulhosos.
Quando sentia o cheiro das iguarias da época, só se lembrava de como a mãe retirava as frutas cristalizadas do bolo-rei para ela comer, das gargalhadas que os pais davam quando ela mordia acidentalmente um brinde, ou da forma como o pai fazia um arroz-doce perfeito e a mãe uns sonhos de salivar por mais.
Quando sentia o calor de uma lareira, recordava-se de estar no tapete em frente ao fogo a brincar com o irmão, enquanto os pais os observavam de mãos dadas, por vezes com uma lágrima no olho pela sorte que tinham nos filhos que criaram.
Quando via uma árvore de Natal, sentia os braços fortes do pai erguerem-na bem alto para colocar a estrela no topo e lembrava-se da elegância com que a mãe decorava a casa, tornando-a a mais natalícia e acolhedora de sempre.
Quando ouvia uma música natalícia, sentia os pés dançarem com os pais alegremente, principalmente quando era mais nova e ficava ao colo deles enquanto eles giravam pela sala com uma felicidade contagiante.
Quando via um Pai Natal, era inevitável ver ali o pai dela, mascarado, a entregar-lhes os presentes desse ano. Ele fazia-o de uma forma tão natural, tão genuína, que ela precisou de vários anos até perceber que o Pai Natal era o seu próprio pai, e não a figura mítica que simbolizava aquela época em todo o lado.
Quando via o rebuliço nos centros comerciais e nas lojas, recordava-se de como os pais se vangloriavam de fazerem as compras com antecedência para fugirem a essa enchente de pessoas à procura do melhor presente ou do melhor bolo-rei.
Quando começavam as celebrações do Natal, Nádia sentia mais forte a dor da ausência dos pais. Via-os em todo o lado e era na época natalícia que mais percebia o que tinha perdido quando os pais morreram num acidente de viação.
Tinha ela dezassete anos quando os pais partiram em busca de um artigo à última da hora, algo que era inédito para eles. No regresso, em plena véspera de Natal, um acidente fatal colheu as suas vidas, poupando a do verdadeiro culpado, um homem que passara o sinal vermelho a achar que não haveria ninguém nas ruas àquela hora.
Foram semanas, meses e anos difíceis para ela. O facto de saber que o assassino que matara os pais, porque era isso que aquele homem era, um assassino, estava vivo e que, após cumprir uma breve pena na prisão, retomara a vida normal, mexia com o seu âmago.
Vivera obcecada com isso. Por cada Natal que passara, era inevitável imaginar aquele homem com a sua família, feliz por estarem todos vivos. Ele estaria com a sua mulher, com os seus filhos, enquanto ela perdera tudo.
Que justiça havia neste mundo? Porque é que os seus pais haveriam de ter morrido tão novos? Mesmo com a pena de prisão, não deixava de ser injusto. A prisão acabara e ele saíra livre para retomar a sua vida. Os seus pais não. Não teriam uma segunda oportunidade.
Foram estas e outras questões que a fecharam para o Natal nos anos que se seguiram. Mesmo quando se casou, a única regra que ela impunha em casa e à qual era intransigente, era que não queria celebrar o Natal.
O marido compreendera e aceitara. Afinal, casara-se com ela sabendo da dor que o seu coração carregava desde há mais de dez anos. Sabia da sua existência e aceitara-a, achando que a iria ajudar a ultrapassar essa dor.
Mas não o conseguira.
Nádia manteve a sua aversão ao Natal sem dar sinais de baixar a guarda. As memórias dos pais no Natal eram demasiado dolorosas.
No Natal anterior, ele arriscara e decorara a casa toda para a surpreender. Achara que, se ela visse a casa alegre e natalícia, iria aceitar a ausência dos pais e celebrar a época festiva com ele e com a família que lhe restava, o irmão e um sobrinho. No entanto, quando ela regressara do trabalho nesse dia e vira a casa iluminada e cheia de espírito natalício, batera com a porta e desaparecera.
O casamento sofrera um forte abano, mas resistira.
Até que, a meio deste ano, um acontecimento promissor enchera o peito do marido de Nádia de esperança. Ela engravidara. Iam ter um bebé. Ainda que a data prevista do nascimento fosse no início do ano seguinte, ele acreditava que a mulher se entusiasmaria com a gravidez e a sua aversão ao Natal mudaria.
Portanto, viveram com imensa felicidade o milagre da gravidez.
Até que chegou o final do ano e, com ele, todas as tradições natalícias.
Nádia absorveu tudo o que estava a mudar em torno de si e voltou a fechar-se como sempre o fez. Nada mudara, afinal, para desgosto do seu companheiro.
A dois dias do Natal, o marido teve de a confrontar enquanto jantavam. A véspera de Natal era no dia seguinte e tinha de fazer tudo para o conseguir celebrar.
– Nádia, sei que não queres que fale sobre isto…
Ela ergueu o olhar enquanto mastigava, a tentar antecipar o rumo da conversa.
– Sobre o quê?
Ele inspirou fundo e desviou o olhar para a televisão, onde passava uma notícia sobre a iluminação natalícia por todo o país.
– Não. Não quero falar sobre isso.
– Mas… não podes ficar assim para sempre.
– Porque não? Dizes isso porque tens a tua família toda viva, nunca nenhuma desgraça caiu sobre vocês, e ainda bem! A sério, ainda bem que tens a tua família intacta e feliz. Agora, não podes vir com juízos de valor para cima de mim quando tu não entendes aquilo por que passo nesta fase. Não tens nem noção… os meus pais adoravam o Natal e tornaram esta época a minha favorita do ano! E desde que eles morreram…
– Eu sei, amor, imagino que deva…
– Não imaginas nada! Para com isso, por favor.
– Mas o teu irmão…
– O que tem?
– Ele celebra o Natal na mesma… porque não falas com ele?
– Claro que ele celebra. Ele conseguiu ultrapassar a morte dos pais até razoavelmente bem. Mas eu não. Já devias saber isso.
– Mas porqu…
– Porque foi por minha causa que eles morreram! A culpa é minha!
Ficaram em silêncio, Nádia a começar a chorar, o marido embasbacado por aquela informação que era nova para ele. Ela nunca falara sobre esse episódio negro da sua vida.
– A culpa foi tua? Oh amor, tenho a certeza de que não foi. Como é que podes ser responsável pela morte dos teus pais? Isso é absurdo.
– Não é nada absurdo, garanto-te.
– Tenho a certeza de que sentes isso porque precisas de te sentir mal por eles, para fazeres o luto como deve ser. Eras jovem, de certeza que…
– Eles morreram porque foram ao centro comercial buscar um bolo rainha – atirou ela, de olhos molhados, o olhar perdido no tempo e nas memórias passadas –, e estávamos a poucas horas da ceia de Natal. Por isso, foram a correr. Não contavam era com aquele assassino que passou o sinal vermelho e os abalroou para a morte.
O marido levantou-se, contornou a mesa e deu-lhe um toque para que ela se levantasse. Ela assim o fez e ele envolveu-a no seu abraço. Nádia chorou no seu peito, a memória daquela noite mais nítida.
– A culpa não é tua, é daquele condutor estúpido.
– É minha, sim.
– Quem causou o acidente? Que eu saiba não foste tu, amor.
– Mas foi por minha causa que eles foram ao centro comercial! Tinha acabado de descobrir a existência dessa variante do bolo-rei e, como eu não gosto nada das frutas cristalizadas, fiz uma birra enorme porque queria ter um bolo-rainha em casa. Até parecia uma miúda… A minha mãe não conduzia, mas era ela que sabia bem o que me ia agradar, por isso foram os dois à pressa comprar essa merda de bolo-rainha para mim, para parar uma birra infantil e estúpida que eu tive. – Ela afastou-se do marido, envergonhada. – Se não fosse por mim, eles não teriam saído de casa. Não teriam morrido. E estariam connosco aqui. A culpa foi minha.
– Nádia, achas mesmo que os teus pais atribuem a culpa a ti? Eles foram porque quiseram. Tu não os obrigaste. Podiam perfeitamente ter negado e dito que comias na mesma o bolo-rei sem essas frutas e ponto final.
– Mas eu sabia que eles me iriam fazer a vontade. É esse o problema. Joguei com a bondade deles. E olha o que isso me deu. Deu-me o título de órfã.
– Nádia…
Ela aproximou-se da porta da casa, como sempre fazia quando a conversa se aproximava do Natal e do âmago da sua dor.
– Já volto.
Saiu sem dizer mais nada, deixando o marido a sentir-se pessimamente.
Entrou no carro e conduziu durante quinze minutos, até parar numa rua estreita e sinuosa. Com o carro em cima do passeio, olhou para o outro lado da rua, para uma moradia pacata e simples construída em banda. Ao lado da porta da entrada, no piso térreo, encontravam-se duas janelas despidas, com as portadas abertas e os cortinados afastados o suficiente para que, àquela hora da noite, pudesse ver o interior da casa. As luzes piscavam e mudavam de cor com frequência, entre vermelho, azul, dourado, verde e branco. A árvore de Natal estava no canto mais distante da janela e brilhava em todo o seu esplendor. Na base da mesma, já se encontravam imensos embrulhos coloridos, prontos para serem desembrulhados.
Na mesa ao centro, quatro pessoas jantavam de forma animada, a ideia da proximidade do Natal a deixá-los claramente entusiasmados e elétricos, principalmente os filhos, que deviam ter a idade de Nádia quando esta perdera os pais.
E o assassino estava mesmo ali, à vista, feliz com a família.
Nádia saiu do carro, sem saber bem o que fazer. Nos últimos anos, após a descoberta da morada do assassino, ela parava ali esporadicamente e limitava-se a ver o que ela perdera. Era masoquismo, mas era mais forte que ela.
O assassino estava visivelmente animado, tal como os filhos e a mulher. Pareciam uma família perfeita, feliz.
Também a dela seria, não fosse aquele homem ter arruinado tudo.
Sentiu a sua filha mexer no ventre. Instintivamente, colocou a mão por cima e deu festinhas, como se as desse no rosto da filha. Ela nunca iria conhecer os avós maternos. Nunca receberia o colo deles, os mimos deles, o amor que eles tanto professavam que iriam dar quando tivessem netos. Quantas vezes a mãe não lhe dissera que, quando fosse avó, iria sugerir constantemente que ela ou o irmão fosse passear com o cônjuge e que ela ficaria de bom grado a tomar conta dos netos? Até disse que ofereceria uma viagem de uma semana se fosse preciso, desde que ela pudesse cuidar deles.
Eles ansiavam os netos, se calhar até mais do que a maioria dos avós. Mas nunca os iriam ter. Nunca os iriam conhecer nem encher de amor.
Por causa daquele homem.
Novo pontapé no útero. Nova festinha. Novas lágrimas.
Atravessou a estrada e tocou à campainha do muro exterior, sem saber o que estava a fazer. Viu o homem levantar-se, surpreso pela súbita intromissão no jantar, e sair da mesa. Sentiu um arrepio na coluna que nada tinha que ver com a frescura daquele início de noite. Que pensava ela que estava a fazer, a tocar à campainha da pessoa que lhe arruinara a vida?
Segundos depois, a porta da moradia abriu-se e o homem perfilou-se à sua frente. Vendo uma mulher em lágrimas do outro lado do portão, avançou até ao muro e olhou-a com curiosidade e alguma consternação.
Nádia tinha tudo para lhe dizer, anos e anos de mágoa e dor para descarregar em cima dele. Mas não foi capaz. Ficou tudo preso num nó na garganta, enquanto a filha dava pontapés na barriga, provavelmente por sentir a sua aflição.
O olhar do homem mudou subitamente e ela soube que a tinha reconhecido.
– Sei quem és. Só te posso pedir imensa desculpa – pediu, e parecia ser sincero. Não era suposto um assassino ter um aspeto malévolo e odiável?
– Tu… mataste os meus pais. Arruinaste a minha vida…
– Eu sei, mas não foi de propósito, peço imensa…
O ar triste do homem enervou-a subitamente..
– Enfia a desculpa pelo rabo acima! Digas o que disseres, vais ter sempre a tua família contigo enquanto a minha foi desgraçada por ti. Como consegues viver todos os dias sabendo que os mataste e arruinaste uma família?
Ele baixou o olhar.
– Não consigo. Não consigo mesmo.
A resposta apanhou-a desarmada.
– O qu… quê?
– Tentei… – o homem abanou a cabeça, uma luta interior a ocorrer naquele momento. – Tentei matar-me algumas vezes nos anos seguintes após esse acidente. Não era capaz de lidar com a culpa… ainda por cima… A razão pela qual eu estava a acelerar naquela noite e que me fez passar aquele sinal vermelho foi porque ia socorrer o meu pai. A minha mãe ligou-me em pânico uns minutos antes a dizer que o meu pai estava a ter um ataque cardíaco. Liguei para o 112 e fui disparado para lá, porque sabia que chegaria primeiro que eles e que poderia salvar a vida do meu pai.
Nádia deixou cair o queixo.
– Mas não chegaste lá…
– Por causa do acidente, não cheguei a tempo de salvar o meu pai.
– E ele…?
– Ele morreu nessa noite também. Foi por tudo isso que tive de ser seguido bem de perto por um psicólogo. Por várias vezes tentei suicidar-me, mas não consegui.
– Sei que não tenho o direito de saber, mas porque é que não conseguiste?
O homem olhou para o ventre de Nádia.
– Por causa dos meus filhos. Eles eram pequeninos, precisavam de mim. Não lhes ia estragar a vida, o futuro deles. Eles são tudo para mim e, apesar de a morte do meu pai ter sido trágica e, quem sabe, evitável, tive de ser forte por eles. Pela minha mulher. Aliás, ela foi a maior força que eu tive para superar a dor e a culpa que me assolaram nos meses e anos que se seguiram a esse acidente. Nem sabes o quanto eu lamento o que aconteceu…
Nádia olhou pelas janelas e viu os filhos e a mulher do homem. Ele fizera-o por eles. Eles foram a sua força para continuar a vida como ela era.
– Eu… estive estes anos todos fechada em mim própria, nunca celebrei o Natal porque… – voltou a chorar. – Porque sempre senti esta raiva dentro de mim.
– Raiva de mim?
– Sim. Para mim, és o assassino dos meus pais. Aliás, eras… agora… – olhou para os lados confusa, acabando por tocar no ventre. – Agora não sinto isso.
– Ainda bem. A verdade é que nunca sabemos o que os outros estão a passar na vida. Só vemos a nossa e olhamos para o nosso umbigo. Mas as aparências enganam. Eu tinha álcool no sangue porque estava a celebrar o Natal com a parte da família da minha mulher. No dia 25 iríamos estar com a minha parte da família, mas…. acabámos por não estar.
– Estive anos a guardar este rancor por achar que eras um bêbado que tinha arruinado a minha vida e que tinhas mantido a tua impecável, quando afinal estava tão arruinada como a minha.
O homem assentiu de forma pesarosa, o olhar sofredor.
– Lamento que tenhas sentido isso todos estes anos. Espero que, com o nascimento da criança possas ver as coisas como as vias antigamente. Comigo funcionou.
Nádia limpou o rosto e sorriu pela primeira vez.
– Obrigado. E desculpa por tudo isto.
– Desculpa eu.
O homem voltou para casa, para o seio da sua família alegre e animada. Olharam-se pela janela uma última vez, até que ela entrou no carro.
Desta vez, era uma mulher diferente que se sentava ao volante. Uma mulher mais resolvida. Uma mulher que, inexplicavelmente, acabava de sentir um calor entre as pernas e que se alastrava. Olhou para baixo, alarmada.
Tinham rebentado as águas. A criança ia nascer com sete meses de vida!
Assustada, mas ciente de que nada acontecia por acaso, ligou ao marido enquanto regressava a casa.
A filha nasceu na madrugada do dia seguinte, prematura.
Na cama do quarto de hospital onde ficara internada naqueles dias, Nádia não tirou os olhos da bebé que tinha nos braços e recusava terminantemente que saísse de lá. A pequena Matilde era tão linda, tão pura, tão anjinha, que Nádia não conseguia pensar em mais nada. Tinha o coração cheio de um amor inexplicável, um amor avassalador que a mudou por completo. Via, agora, a vida de maneira completamente diferente.
Como podia ela continuar a guardar rancor por um homem que sofrera tanto quanto ela? Como podia ela deixar de celebrar uma das melhores épocas do ano, quando tinha ali uma pessoa nos braços que iria começar a criar memórias novas? Como podia ela privar a filha de sentir o que ela própria sentira durante a sua juventude?
Vivos ou não, sentia os pais no olhar inocente e puro da sua filha.
Eles estavam com ela. A protegê-la. Como sempre disseram que o fariam.
Quando a porta do quarto se abriu e o marido espreitou, o rosto radiante pela filha, mas com uma nuvem cinzenta a passar no olhar, por se tratar do dia 24, Nádia chorou novamente e apertou Matilde contra o seu peito.
Assentiu para o marido. Não disse nada, apenas assentiu.
O marido demorou uns segundos a perceber, mas quando começou também a ficar com os olhos em lágrimas, Nádia sabia que ele tinha percebido a mensagem.
O marido voltou a sair do quarto e regressou apenas três horas depois.
Abriu a porta e espreitou, como fizera anteriormente.
– Podemos?
Nádia não conseguia falar, mas assentiu.
Então, o marido entrou carregando consigo uma pequena árvore de Natal. Atrás de si, veio o irmão de Nádia com o seu filho e os seus sogros, cada um com caixas de enfeites e presentes bem grandes.
Em dez minutos, o quarto de Nádia ficou lindamente decorado com o espírito natalício que os pais embeberam nela desde sempre. A árvore de Natal brilhava com os tons da época, várias fitas e adereços foram espalhados por todo o lado. Deixara de parecer um quarto de hospital para se tratar de um espaço familiar.
O irmão aproximou-se da cama e beijou a testa da Matilde. Depois, estendeu um pequeno embrulho à irmã.
– Feliz Natal, mana. Estava a ver que nunca mais te dava este presente. Já to devia ter dado há anos, mas… pronto. Está aí. Espero que gostes.
Ela aceitou o presente e desembrulhou-o. Era uma pequena caixa. Abriu-a e vislumbrou duas alianças de ouro que vira durante quase toda a sua vida.
– Estas são…
– As alianças dos pais, sim.
– Mas, como?
– Era para vos ter dado no teu casamento, mas tu… achei que…
– Desculpa, é a melhor prenda que me podias dar.
Em lágrimas, abraçou o irmão e sentiu-se novamente em casa, com os pais ali ao seu lado, a olharem para a Matilde como dois avós babados que eles seriam com toda a certeza.
O marido trocou com o irmão de Nádia e sentou-se à beira da cama. Pegou na filha e embalou-a no seu colo, o amor a irradiar de cada poro do seu ser, enternecendo Nádia e fazendo-a chorar ainda mais por amor. O marido reparou no seu estado e deu-lhe a mão.
– Tenho a certeza de que, onde quer que os teus pais estejam, estão a chatear toda a gente a dizer o quão linda é a neta deles.
– Eu sei que sim…
As lágrimas não paravam de fluir e sentiu o peito tremer de emoção ao recordar-se mais vividamente dos pais.
– Fico feliz por voltares a celebrar o Natal, amor.
Nádia esticou o braço e tocou com suavidade no rosto da filha recém-nascida.
– Ela nasceu dois meses antes por algum motivo. Isto é um sinal. É um sinal de que tenho de celebrar o Natal como antes, como se os meus pais cá estivessem. Porque eles podem não estar vivos fisicamente, mas estão vivos… nela. Na nossa filha.
O marido beijou-a com ternura e devolveu a filha ao seu colo.
– Feliz Natal, amor.
– Feliz Natal, querido.
Olhou para o seu pequeno rebento, que dormia tranquilamente.
– Feliz Natal, Matilde.
Depois, olhou para a sua família, para a decoração de Natal, para os doces, absorveu a música e sentiu-se reconfortada como há muito não se sentia. Matilde era o seu milagre de Natal. Não podia estar mais feliz.
Uma vez mais, o seu pensamento virou-se para os pais e já não sentiu rancor nem mágoa, apenas felicidade por ter tido pais tão fantásticos. Era a sua missão passar esse amor para a filha e tornar a sua vida o mais recheada de amor possível. Ela dependia de si. Nádia não a ia desiludir. Faria tudo para ser tão boa mãe como os seus pais foram.
Pela primeira vez desde que eles morreram, um pensamento carregado de saudade surgiu na sua mente. E nunca mais deixaria de existir.
Feliz Natal, mãe e pai.
Gostei muito 🥰🥰